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O que é arte?

Considerações acerca da concepção de arte de Ferreira Gullar

A arte existe porque a realidade não nos basta, é o que nos fala o ensaísta, poeta e jornalista brasileiro Ferreira Gullar em um de seus ensaios (A pouca realidade) publicado na Folha de S. Paulo, “Copiar a realidade é chover no molhado”, continua. Para ele, a arte cria um novo real. Sabemos que este real é inexistente, mas imaginário, portanto, “real”. Ele reafirma sua concepção em “Toda arte é atual”: Não se faz arte para imitar a vida, mas sim para inventá-la. 

Guiados pela ideia de que a arte não deve funcionar como imitação da vida (da natureza, do universo, do material, de nós), é muito pertinente refletirmos acerca do conceito da mesma. Existem gostos, pensamentos, histórias, necessidades, percepções e diversas outras particularidades que levam um indivíduo a admirar uma pintura mas não outra. A questão é que, ainda pensa-se em arte como algo que para um, tal coisa o é, mas para outro, talvez não o seja.

Pois, afinal, o que é arte? Será que realmente não se faz arte para imitar a vida? Ou será que sim, que também se faz para isto? Será que o que é arte para um, pode não ser para outro? Será que o que alguém pensa a respeito de um quadro, é o que todos pensam? São muitos os questionamentos que podem e devem ser levantados através do conceito de arte. Mas a verdade é que não  há como definir sua essência baseando-se em um caráter único. Não há uma definição pronta, universal e absoluta para a arte, mas há, sem dúvidas, obras de arte.

Quando falamos em arte, assim como em literatura, consequentemente falamos em história. Na história da humanidade, dos feitos, dos registros, dos movimentos e legados, toda história é um sucessão de fatos que resulta na maneira do contemporâneo ser o que é. Nada seria como é sem o seu passado de acontecimentos. É assim que acontece na arte, que frente às diversas mudanças e novidades, encontra uma nova forma de se manifestar.

Assim, sintetizá-la torna-se algo muito difícil, visto que está em um processo de “metamorfose”, e a cada há uma nova construção. Entretanto, uma coisa é certa: é possível conceituar a arte rupreste, por exemplo, pois para sê-la, é necessário haver suas especificações, suas características. O mesmo funciona para outros movimentos artísticos, todavia, aqui falamos da arte em sua essência geral, que é demasiadamente ampla.

Para Ferreira Gullar, “o realismo não é chato apenas nas artes plásticas; ele o é também na literatura”, como afirma no segundo ensaio supramencionado. Porém, trata-se de uma opinião particular. Nada faz um obra realista menos arte do que uma obra impressionista, por exemplo. Existem os admiradores da arte realista tanto em pinturas como em livros.

Mais a frente no mesmo texto, Toda arte é atual, Gullar cita a subjetividade simbolista. É importante pensar em simbolismos quando se tratam de obras artísticas. Como se sabe, o simbolista tem a ver também com a função de um objeto. Por isso, além de perguntarmos o que é arte, é interessante perguntarmos também qual a sua função em determinada situação.

Analisemos a obra “A fonte”, de Marcel Duchamp, considerada uma obra de arte:

duchamp-fonte

Pensemos no objeto, “um mictório, um vaso sanitário masculino” em dois ambientes: um, o qual seria mais óbvio, no banheiro, e outro, no museu. Neste, há uma ressignificação da função desse objeto. Ele deixa de ser originalmente o que é, e passa a exercer uma nova função, provocando um novo olhar; sendo uma obra de arte. Já em seu ambiente “mais cabível”, ele volta a ser simplesmente um objeto sem qualquer ligação com a arte.

Assim, é notório que o conceito de arte e as concepções que tornam um objeto artístico, têm relação com a situação, o contexto. Um quadro exposto em um museu exerce um papel diferente do quadro que está exposto em uma sala de estar. Sendo assim, a passo que os contextos se transformam, a arte se transforma também. É o que o ensaísta afirma em seus dois textos, que ao revisitar uma obra, “percebemos um deslumbramento a mais do mundo”.

Como, então, poderíamos avaliar aquilo que está em constante transformação? Se buscarmos um conceito demarcado para a arte, estaríamos retirando a subjetividade intrínseca a ela, já que a arte provoca (ou não) em cada ser diferentes emoções. Restringir-se-ia a capacidade humana de criar e recriar universos imaginários que a partir de uma nova situação, permitem um novo olhar. A capacidade que, “durante milênios, contribuiu para fazer de nós seres culturais” (Gullar, 2010).

Autoras: Bruna S. Furlan e Beatriz M.
Escrito em abril de 2017
Referências:
GULLAR, Ferreira. A pouca realidade. Folha de S. Paulo, São Paulo. 07 de mar 2010.
GULLAR, Ferreira. Toda arte é atual. Folha de S. Paulo, São Paulo. 29 de setembro 2012.